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Mudar sem se mudar

Atualizado: 24 de nov. de 2019

Nos morros e no centro da cidade, moradores enfrentam o descaso do governo


Cortiços de Santos são o reflexo do abandono do governo nos bairros mais pobres do município (Foto: Milena Estela/@milena_estela)


Por Luana Chaves


Na favela ou no cortiço, no morro ou no asfalto. Não importa o tipo de relevo, os moradores desses locais enfrentam diariamente o descaso do poder público e o preconceito da sociedade. Os cortiços do centro de Santos tentam uma mudança, por meio da luta pela moradia digna e individual. Para as pessoas do cortiço, morar "só" com sua família é um sonho e a motivação de um movimento representado por cada um deles.


No final do século 19, o Brasil passava por um período pós-abolição da escravatura. Com a liberdade em mãos, os escravos deixaram de sofrer exploração dos seus antigos donos e passaram a enfrentar a pobreza e o preconceito da sociedade. Por não terem dinheiro algum, se dividiram em busca de moradias: alguns subiram os morros e deram início às favelas, local à época desabitado, onde construíram suas casas. Outros resolveram migrar para o centro das cidades, que ficava perto das firmas e indústrias onde trabalhavam e os aluguéis cobrados eram, teoricamente, mais baixos. Esse processo foi observado em muitas cidades brasileiras. Em Santos, operários se deslocaram para a região central, que era uma promessa de melhoria de vida. Dois séculos depois, mais de 70 gestões municipais entraram e saíram e a região foi sendo cada vez mais abandonada.


Morar na favela ou no cortiço é conviver com problemas diferentes. Nas favelas as residências são precárias, sem infraestrutura, mas cada morador possui a sua. Nos cortiços, cada residência abriga diferentes famílias que moram juntas, sem vínculo nenhum, compartilhando banheiro e cozinha. Apesar das condições de algumas moradias serem tão precárias quanto os “barracos” erguidos nas favelas, nos cortiços, as pessoas pagam água, luz e alguns aluguéis chegam a até R$1300,00, como é o caso da Dona Joaquina de Socorro Lima, de 73 anos, moradora da região há 26 anos, que trabalha na Padaria Comunitária “Um Só Coração” e considera o local como sua casa.



Em esquema de moradia compartilhada, moradores dividem cômodos com pessoas desconhecidas (Foto: Milena Estela/@milena_estela)


Em 2018, 221 imóveis foram identificados como de “uso residencial pluri-habitacional precário” pelo Programa de Reabilitação de Uso Residencial na Região Histórica de Santos. Considerando a alta rotatividade destas casas, há aproximadamente mil famílias nos imóveis cadastrados. Para Dona Jô, a solução não é sair dos cortiços. "Por que a gente vai sair daqui ‘pra’ (sic) ir para outro lugar, se é aqui que a gente plantou nossa semente? A nossa briga é essa: mudar de vida sem mudar de local. Mudar sem se mudar", afirma ela, que diz possuir uma casa no Maranhão, sua cidade natal, mas permanece no centro de Santos fortalecendo a luta de todos os moradores, que buscam uma moradia digna e melhores condições de vida.


Nova geração


Camila de Jesus Santos, de 19 anos, afilhada da líder do cortiço, Samara Faustino, já morou em diversas favelas e há 10 anos vive no cortiço. Ela também ajuda na luta da comunidade, mas reconhece que é um trabalho árduo. Camila acredita que a favela oferece mais lazer, mas os cortiços possuem um pouco mais de segurança. Contudo, ela percebe que, apenas pelo fato de viverem nessas regiões, as pessoas sofrem discriminação e preconceito. Complementou ainda que o cortiço e a favela são muito parecidos, mas as pessoas agem de maneiras diferentes. Para ela, nos cortiços, mesmo com a existência da ACC e o movimento pela casa própria, as pessoas são mais individualistas. "Se não é a madrinha, a Samara, ninguém faz nada", reclama.


Concordando com Camila, para Vitória Maria Nascimento, de 18 anos, "a Samara é a segurança de tudo" e a maior incentivadora dos adolescentes em relação à educação e cultura. Mesmo após interromper os estudos, ela acredita que o cortiço oferece mais oportunidades e apoio do que na favela. "Eu prefiro mudar esse lugar e conquistar uma moradia aqui. A pessoa é quem faz seu ambiente, não quero que meu filho siga a vida que eu segui, mas ele não tem que sair daqui ‘pra’ (sic) aprender o certo", explica.


Quando questionadas quanto aos estudos, Camila conta que já concluiu o Ensino Médio e não tem vontade de ingressar em uma universidade, mas que gosta de trabalhar e está procurando uma oportunidade de emprego. Já Vitória, apesar de um pouco desmotivada, quer voltar à escola e concluir seus estudos. As amigas explicam que, por conviver nesse meio conturbado, cresceram com um aprendizado da realidade. As duas comparam que o que a favela e sua atual casa possuem em comum são os 'fofoqueiros', mas riram lembrando que isso todo lugar possui.


Ambas realidades são ignoradas pelo poder público. Enquanto a favela está em lugares afastados, os cortiços estão bem no meio dos bairros nobres, próximos às faculdades e firmas, mas mesmo assim, os moradores desses locais não possuem oportunidade de desfrutar dessas coisas. Um ao redor, outro no meio, mas ainda assim o Estado insiste em ignorar a voz dessa parcela que é maioria em números, mas minoria em representatividade.

Dos recém-chegados até os mais velhos, os corticeiros não querem sair de lá, mas sim, transformar o local em uma moradia digna, para que possam ter acesso àquilo que está em volta deles. "A gente tem que ter esperança. Se der certo, amém. Mas se não der certo, amanhã damos um jeito, tem que continuar tentando, não pode parar", conclui Camila.

Camila e Vitória, jovens dos cortiços enfrentam dificuldades do dia a dia e ajudam na luta pela moradia (Foto: Milena Estela @milena_estela)

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