A vida nem sempre imita a arte. Uma comparação entre o romance “O Cortiço” de Aloísio de Azevedo e o cortiço de Santos mostra semelhanças em alguns aspectos e muita diferença em outros.
Moradores dos cortiços que, apesar das dificuldades, vivem em harmonia nas ruas do Paquetá (Foto:Bárbara Pitta/ @baahpitta14)
Por Isabela Marangoni
''O Cortiço'' é uma obra naturalista do escritor Aluísio de Azevedo, que destaca uma habitação coletiva do Rio de Janeiro retratando o cotidiano dos moradores. O livro ilustra, de maneira literária, o desequilíbrio e as diferenças entre ricos e pobres que dividem o mesmo espaço urbano, denunciando a exploração do negro pelo branco e do pobre pelo rico, preconceitos raciais e de classe, fato recorrente na história do nosso país até os dias de hoje.
Em Santos, distante da ficção, a líder da Associação dos cortiços, Samara Faustino, conta sem poesia como funcionam as coisas no bairro do Paquetá. Mostra a obra do conjunto habitacional parada, o seu dia a dia e os projetos que os moradores desenvolveram para acolher, tanto crianças quanto adultos. Samara coleciona exemplos da falta de interesse dos governantes, de políticos que, em épocas de eleições, falam sobre projetos e conversam com ela para colaborações, mas, no resto do ano, mal lembram de fazer uma visita.
Gradsnay Faustino, filha de Samara, sonha com um futuro melhor quando afirma: ''minha mãe morou no cortiço, eu morei no cortiço, não gostaria que meus filhos morassem também''. A fala de Gradsnay, ou “Nay”, como ela gosta de se apresentar, é a realidade de muitos moradores da região, que dividem uma única casa com outras pessoas – que muitas vezes não possuem nenhum vínculo entre si.
Apesar da semelhança entre as condições de moradia coletiva, uma das principais diferenças entre o livro e os cortiços do bairro Paquetá são as pessoas, na obra o autor mostra que o lugar onde os moradores vivem influencia seu mau comportamento, os tornando ambiciosos e egoístas, já no Cortiço de Santos, Samara Faustino faz tudo e mais um pouco para ajudar as pessoas que vivem lá, seja como porta-voz para cobrar melhorias nas moradias ao governo, ou conversando e se mobilizando pelos que precisam de alguma ajuda, os moradores são muito justos, sempre unidos em prol da mesma luta. Tanto no livro como no Cortiço há uma exploração exercida sobre os moradores. O dono da casa cobra aluguéis caros e muitos dos inquilinos não tem dinheiro e acabam por trabalhar duro para pagar o aluguel e ainda assim viver de modo precário.
Terreno onde o sonho de muitos moradores está sendo construído (Foto Milena Estela/ @milena_estela)
Lá se vê todo tipo de gente, desde pessoas direitas que são trabalhadoras e tentam de tudo para subir na vida e ainda se ater a seus princípios, até pessoas que acabaram indo por um caminho errado, mas que hoje em dia tentam fazer a coisa certa para mostrar às crianças que vivem com eles que nem sempre o caminho mais fácil é o certo. Durante a curta passagem pelo Cortiço, foi possível perceber as dificuldades que cada morador leva como bagagem de uma longa jornada. No entanto, prevalece a luta e a união expressas na história e no semblante de todos eles.
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